Pastor José dos Reis Pereira
Nesta
noite, ó Senhor, sou consagrado ao ministério da tua Palavra e que
tremendo encargo recebo em meus ombros; não fosse minha absoluta certeza
de que tu me chamaste e não sei onde iria encontrar coragem para tanto;
mas, ó Senhor, tu, que fechaste tão positivamente, diante de mim, todas
as portas a que fui bater e, não olhando minha indignidade, minhas
quedas e meus tropeços, me abriste bem larga e acolhedora a porta do
ministério, ajuda-me a prosseguir neste caminho, dignificando sem cessar
o teu nome e honrando minha vocação.
Temeroso
é o meu trabalho: pastorear teu povo, com tão pouca experiência da
vida, conduzir as ovelhas de meu Mestre, com tão poucas forças, quem
ousaria tanto?
Anima-me,
todavia, a certeza de que tu, ó Senhor, que me escolheste, serás meu
amparo e fortaleza, e, ao dar agora o meu primeiro passo na estrada
nova, permite que o dê com firmeza e decisão;
ajuda-me,
ó Senhor, porque já vislumbro as vezes em que minha visão se obnubilará
ante a poeira da jornada e de ti espero que me alimparás os olhos;
esclarece-me,
Senhor, porque sou jovem, cheio de preconceitos e de idéias falsas,
trabalhando pelo orgulho e pela vaidade; concede que esses inimigos, ao
me assaltarem, não me vençam e que eu afaste por completo o desejo de
dar na vista e de conquistar posições, contentando-me com o lugar que
tu me deres e procurando discernir e cumprir a tua vontade;
auxilia-me
a adiantar-me no saber, mas livra-me da presunção e que esteja"sempre
pronto a reconhecer que, apesar de meus cursos e dos livros que ler, os
outros podem muito bem ser mais
sábios do que eu; preserva-me desse
terrível corrosivo que é a inveja e que eu saiba admirar nobremente a
todos os que trabalharem bem, jamais descendo à baixeza de diminuí-los
com comentários tendenciosos, só porque trabalham melhor do que eu;
dá-me
a modéstia, que tão bem quadra num enviado teu, e protege-me contra os
triunfos tentadores, para que não desenvolvam em mim enfisemas
intelectuais, que a tantos têm arruinado, principiando por
ensoberbecê-los;
ensina-me
a ser manso e bom, a moderar minhas violências e intransigências, mas
dá-me um caráter que não admita contemporizações com o mal em qualquer
tempo e em quaisquer circunstâncias.
Faz-me
pastor eficiente, isto é, fiel em todos os meus encargos, em quem o teu
povo possa confiar, que seja ativo e empreendedor, sem que, entretanto,
procure pôr tudo abaixo com a pretensão de poder arranjar sucedâneos
melhores;
que
nunca transfira as responsabilidades que me couberem para os ombros de
terceiros, culpando-os de meus erros e fracassos e com isso dando-me por
justificado, mas que saiba resistir impavidamente às conseqüências de
meus erros, não procurando me apegar a ninguém mais senão a ti mesmo,
para que me perdoes e reanimes;
que
seja capaz, após algum fracasso, de começar de novo, quantas vezes for
preciso, um trabalho feito e que isso faça de espírito sereno e alma
animosa;
que
saiba ser econômico, sem ser avaro, e caridoso, sem ser dissipador,
procurando desenvolver cada vez mais na minha igreja a obra da
beneficência;
que
realize, no quanto for possível, um ideal de perfeição em todo o
trabalho feito, seja grande ou pequeno, nada abandonando inacabado ou
mal cuidado;
permite
que eu me canse no teu serviço, mas fortalece-me para que nunca a
fadiga me domine de tal forma que me impeça de executar um trabalho
necessário, tal como uma visita, uma pregação ou um auxílio;
concede
que o meu conforto nunca venha se levantar como justificativa para que
me recuse a um serviço, mas que saiba deixar-me incomodar sem perder
meu sorriso e saiba sacrificar refeições e descansos, enjeitar
divertimentos e varar noites, sem queixas, nem lamentações, mas cada
vez mais otimista e mais satisfeito com meu ministério;
consente
que possa fazer todos os trabalhos com a mesma consagração, sem que
por isso aguarde agradecimentos ou louvores, quase sempre maus
conselheiros;
ensina-me o meio de obter a dedicação do bom samaritano a qualquer hora, em qualquer lugar e para quem quer que seja.
Ajuda-me,
ó Senhor, a dar valor à minha palavra, embora a comprometa com uma
criança, e que seja sempre pura e nobre e sincera, quer conversando,
quer pregando, quer orando; livra-me do bombasticismo rebuscado e
insincero;
que abomine os argumentos tortuosos, próprios para embair os outros e esconder meu pensamento verdadeiro;
que saiba pregar meus sermões extremos de palavras ocas, não aspirando galas literárias, mas, sim, a tua aprovação;
que,
ao falar, procure alguma coisa e não faça arabescos na água que não
satisfazem, nem confortam o ouvinte desejoso de sólido alimento
espiritual;
dá-me
ânimo para fugir às discussões tão procuradas por quem é moço, nas
quais se gastam energias que devem ser concentradas para melhores fins;
concede-me
a palavra boa para consolar os enfermos e os tristes, para reerguer os
desanimados e os desviados, para convencer os divergentes e
desinteressados, para me alegrar com os otimistas e incentivar os que
trabalham;
que
sempre me expresse com límpida franqueza, sem que, no entanto, jamais
confunda franqueza com insolência ou incivilidade e nunca me valha de
indiretas covardes para ferir àqueles de quem discordo;
livra-me
de julgamentos temerários e fundamentados em bases pouco seguras, como
informações de terceiros, intrigas ou atitudes mal interpretadas;
que
eu saiba considerar a leitura de tua Palavra a melhor das leituras, a
mais freqüente e a mais longamente meditada e que minha doutrina seja
sempre sólida, conhecendo de tal forma minha Bíblia que não deixe voltar
vazio aquele que para mim apelar.
Recorda-me
que devo respeitar e acatar sempre meus colegas de ministério e que
jamais venha a ser apanhado na falta grave de contra eles levantar
aleives ou veicular murmúrios;
que
eles tenham sempre de mim a maior consideração e confiança, porque, ó
Senhor, no dia em que não houver confiança mútua entre os teus
ministros, que será de tua Causa?
Se
me reservas um papel de influência denominacional, que eu não me
apresse a exercê-lo e me lembre de que não é preciso arrombar portas,
antecipando-me à tua providência;
mesmo
que nunca venha a ter influência e que fique toda a vida adstrito
apenas ao trabalho de minha igreja, recorda-me que isto já é por demais
glorioso e que, portanto, dirija minha igreja com o mesmo zelo que
dedicaria a qualquer outra obra aparentemente mais honrosa, e procure
nela edificar um núcleo forte para a glória de teu nome e honra da
Denominação;
se
nesta houver lutas, Senhor, que eu não siga outro partido senão o teu,
que não tenha outra paixão que não a tua verdade, que não ouça outra voz
além da tua falando em minha consciência, que não haja discurso nem
tumultos que me impeçam de ouvi-Ia a indicar claramente minha posição e
que, a ela obedecendo, arraste todas as críticas, incompreensões e
julgamentos depreciativos; mas, se possível, Senhor, afasta-me dessas
questões e concede, antes, que concentre minhas energias na igreja que
me deste, ali realizando um trabalho sólido, puro e produtivo;
que
ninguém, ó Senhor, de mim faça uso em proveito de seus interesses e que
eu também nada faça confiado no apoio e defesa de terceiros; dá-me
fortaleza de convicções para que não seja invertebrado em meus
propósitos, sem consistência e sem perseverança, cata-vento que toda
idéia nova faz girar;
ao
mesmo tempo, reveste-me de coragem humilde e nobre de voltar atrás e
confessar meus erros, quando for preciso, sem temer as acusações de
versatilidade e incoerência, que, talvez, contra mim se levantarem.
Dá-me
a dignidade devida para nunca me postar incondicionalmente do lado mais
forte, nem incondicionalmente do lado mais fraco, mas
incondicionalmente, sim, do lado justo, tenha, embora, contra mim o
mundo todo, inclusive minhas amizades mais caras;
que
nunca homem algum, por mais íntimo que seja, ou um partido, por mais
forte que se diga, me dissuadam de fazer o que a tua vontade me ordenar;
ajuda-me
a ser igual no tratamento de todos com quem agir, falando aos grandes
sem servilismo e aos pequenos sem altivez, a todos com a mesma
deferência e a mesma simpatia.
Permite,
ó Senhor, que jamais ninguém me chame de mercenário, ou então que,
embora os homens me julguem mal, tu vejas que meu interesse único é
exercer com fidelidade meu ministério e que ele é, para mim, a mais
importante tarefa de minha vida;
se,
por acaso, for obrigado a "fazer tendas", para me manter, abençoa-me em
tal serviço secular, para que possa dar um testemunho que transforme o
trabalho numa projeção de meu ministério;
dá-me
a sabedoria de evitar a freqüência de lugares onde um pastor nunca
deveria pôr os pés, a fim de que ninguém me aponte como exemplo e
justificação de desvios funestos;
que,
sabendo que sou observado pelos homens, para verem se me apanham em
falta, tome isso em consideração, mas o faça sem hipocrisia, sendo igual
homem na rua ao homem que for na igreja e no lar, não afivelando
máscaras adaptadas a lugares e situações;
que
também em pensamento não seja dúbio e que, ao falar de teu evangelho,
não tome uma atitude convencional e falsa, dogmatizando com idéias
postiças; que minhas palavras não sejam desmentidas por meus atos;
que
meu pensamento seja sempre puro, de modo a poder transferi-lo e
qualquer outro assunto para um sermão ou uma prece, sem necessidade de
me altear de qualquer baixeza em que esteja devaneando comprazido;
que
não blazone de feitos e virtudes, mesmo perante os mais íntimos,
dispondo de uma veste de pavão para uso caseiro, e me revestindo de
modéstia apenas para uso externo;
que,
se por acaso for preterido num trabalho, saiba discernir nisso a tua
vontade agindo e que não contenda, não me sinta ofendido pela
preterição, nem dela viva falando amargurado ou queixoso;
que,
o quanto possível, mantenha meu corpo sadio e forte, pois é o templo do
Espírito, mas lembrando-me sempre de que é piedade que para tudo é útil
e que meus joelhos não cansem de se dobrar diante de ti e meus pés não
se exaurem de caminhar no teu serviço;
que
eu saiba coibir meus impulsos e saiba ser, na justa medida, tolerante,
sabendo exortar com simpatia e compreensão, de modo a ganhar, e não a
afugentar os homens.
Dá-me
Senhor uma companheira que seja de fato uma ajudadora em todo o meu
trabalho, que tenha também espírito de sacrifício e não viva se
embonecando como qualquer frívola mundana, nem preocupada com deleites
outros que não os do lar e os de teu serviço; que seja piedosa e
diligente, ajudando-me quando eu sentir muito grande o peso de minhas
obrigações, animando-me quando vir diante de mim turvos horizontes,
corrigindo-me, amorosa, quando minhas tendências, despertadas, me
quiserem desviar do plano correto de conduta, caminhando comigo lado a
lado, até o fim, para onde quer que me enviares, sem discutir e sem se
rebelar;
que
tenha a compreensão necessária para me apontar erros de que me possa
desviar e não me induza a concessões que me amolentem o espírito;
que,
dedicada e atenciosa, humilde e cheia do desejo de servir, concorra
para conquistar o meu povo e atrair almas para tua igreja;
que
não ande metida em intrigas e maledicências, nem faça questão de ser a
mais bem vestida na igreja,a fim de que por causa dela eu não venha a
ser censurado;
que
saiba servir e tenha caráter, despreocupada de mundanidades, mas comigo
mantendo, até o dia em que me chamares ou a chamares, a mais completa
união de vistas;
que
saiba comer comigo o pão das lágrimas e arrostar, decidida, o açoite da
perseguição, sem que venha me lançar em rosto a culpa dessas coisas ou
me atormentar com lágrimas e suspiros, em lugar de, bem unida a mim,
enfrentar bravamente a vida de tal modo que diante das tempestades
apareçamos ligados como se fôssemos um só.
Finalmente,
Senhor, perdoa-me a insipiência, os trabalhos mal feitos e as mil
inevitáveis omissões em que a minha mocidade me fará incorrer, e
enrijece-me espiritualmente para que melhore todos os dias;
que
me conserve absolutamente honesto e puro, não tendo de que enrubescer,
quando erguer a mão para abençoar, em teu nome, o rebanho que tu me
confiares; que saiba não ser pela prática de todas essas coisas que irei
ganhar o céu, pois este, Cristo, por seus méritos, tão-somente já
ganhou para mim, mas que as faça porque almejo ser mordomo fiel, e
porque, tendo sido regenerado, tornei-me árvore boa, que deve produzir
bons frutos.
E
mais e mais coisas tenho para te pedir, ó Senhor, e tu o sabes; a
agitação desta hora em que sinto o glorioso e o difícil de minha
investidura não me deixa lembrar de tudo. Mas tu sabes, Senhor, e tu me
darás auxílio.
Fonte: FERREIRA, Ebenézer Soares. MANUAL DA IGREJA E DO OBREIRO. JUERP. 1981.
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